terça-feira, novembro 20, 2012
blue blue boat
CAIS
Para um nocturno mar partem navios,
Para um nocturno mar intenso e azul
Como um coração de medusa
Como um interior de anémona.
Naturalmente
Simplesmente
Sem destruição e sem poemas,
Para um nocturno mar roxo de peixes
Sem destruição e sem poemas
Assombrados por miríades de luzes
Para um nocturno mar vão os navios.
Vão
O seu rouco grito é de quem fica
No cais dividido e mutilado
E destruído entre poemas pasma.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in MAR NOVO
(Guimarães Editores, 1958) in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
segunda-feira, novembro 19, 2012
e tornou-a sua rainha
"A História de Ester"
(excerto)
Naquele tempo, o império persa estendia-se a perder de vista, desde a Índia até à Etiópia. Basta olhar para um mapa para perceber a vastidão
que tinha.
Estava dividido em 127 províncias, com a capital na cidade de Susan, onde vivia o rei Assuero.
O povo judeu, levado em cativeiro de Jerusalém, habitava a Pérsia, e
vivia aparentemente em paz, e cumpria as leis - embora sonhando sempre
com o regresso à pátria.
E entre os judeus, havia um, de seu nome
Mardoqueu, que vivia com Ester, sua sobrinha, órfã de pai e mãe, e que
ele criara sempre como filha.
Quando se soube, por todo o reino, que
Assuero procurava mulher, Mardoqueu disse a Ester que se envolvesse na
sua mais bela túnica e se perfumasse de óleos de sândalo e jasmim, e se
apresentasse no palácio do rei. Mas que não lhe dissesse a sua origem.
Quando Assuero olhou para Ester logo se apaixonou por ela, e ela já não voltou a sua casa. Deu-lhe o rei sete aias para a servirem em tudo, e destinou-lhe a mais bela parte do palácio.
Por lei, nenhuma pessoa – nem mesmo a rainha – podia apresentar-se
diante do rei sem ser primeiro chamada por ele. E, quem desobedecesse a
este princípio, corria risco de vida.
Mas Assuero chamou logo Ester, colocou-lhe a coroa na cabeça e tornou-a sua rainha...
Histórias da Bíblia, por Alice Vieira (Oficina do Livro, 2012),
Sinopse:
"Em Histórias da Bíblia Para Ler e Pensar", poderás conhecer histórias
do Antigo Testamento que o tempo trouxe de longe e que Alice Vieira
escolheu e... escreveu! Poderás ler "A história de Rute", "David e
Golias", "Salomão, o Sábio", "A História de Ester", "Daniel na Cova dos
Leões" e "Jonas e a Baleia". Diverte-te a descobrir a sabedoria que cada
história tem para te dar!"
Estava dividido em 127 províncias, com a capital na cidade de Susan, onde vivia o rei Assuero.
O povo judeu, levado em cativeiro de Jerusalém, habitava a Pérsia, e vivia aparentemente em paz, e cumpria as leis - embora sonhando sempre com o regresso à pátria.
E entre os judeus, havia um, de seu nome Mardoqueu, que vivia com Ester, sua sobrinha, órfã de pai e mãe, e que ele criara sempre como filha.
Quando se soube, por todo o reino, que Assuero procurava mulher, Mardoqueu disse a Ester que se envolvesse na sua mais bela túnica e se perfumasse de óleos de sândalo e jasmim, e se apresentasse no palácio do rei. Mas que não lhe dissesse a sua origem.
Quando Assuero olhou para Ester logo se apaixonou por ela, e ela já não voltou a sua casa. Deu-lhe o rei sete aias para a servirem em tudo, e destinou-lhe a mais bela parte do palácio.
Por lei, nenhuma pessoa – nem mesmo a rainha – podia apresentar-se diante do rei sem ser primeiro chamada por ele. E, quem desobedecesse a este princípio, corria risco de vida.
Mas Assuero chamou logo Ester, colocou-lhe a coroa na cabeça e tornou-a sua rainha...
Sinopse:
"Em Histórias da Bíblia Para Ler e Pensar", poderás conhecer histórias
do Antigo Testamento que o tempo trouxe de longe e que Alice Vieira
escolheu e... escreveu! Poderás ler "A história de Rute", "David e
Golias", "Salomão, o Sábio", "A História de Ester", "Daniel na Cova dos
Leões" e "Jonas e a Baleia". Diverte-te a descobrir a sabedoria que cada
história tem para te dar!"
Hoje, 19 de Novembro, nas livrarias..............
segunda-feira, novembro 12, 2012
simplicidade
Um
grupo de jovens licenciados, todos bem-sucedidos nas carreiras, decidiu
fazer uma visita a um velho professor, agora reformado. Durante a
visita, a conversa dos jovens alongou-se em lamentos sobre o imenso
stress que tinha tomado conta das suas vidas e do seu trabalho. O
professor não fez qualquer comentário sobre isso e perguntou se
gostariam de tomar uma chávena de chocolate quente.
Todos se mostraram interessados e o professor dirigiu-se à cozinha, de onde regressou vários minutos depois com uma grande chaleira e uma grande quantidade de chávenas, todas diferentes – de fina porcelana e de rústico barro, de simples vidro e de cristal, umas com aspeto vulgar e outras caríssimas. Apenas disse aos jovens para se servirem à vontade. Quando já todos tinham uma chávena de chocolate quente na mão, disse-lhes:
– Reparem
como todos procuraram escolher as chávenas mais bonitas e dispendiosas,
deixando ficar as mais vulgares e baratas... Embora seja normal que
cada um pretenda para si o melhor, é isso a origem dos vossos problemas e
stress. A chávena por onde estais a beber não acrescenta nada à
qualidade do chocolate quente. Na maioria dos casos é apenas uma chávena
mais requintada e algumas nem deixam ver o que estais a beber. O que
vós realmente queríeis era o chocolate quente, não a chávena; mas fostes
conscientemente para as chávenas melhores...
Enquanto todos confirmavam, mais ou menos embaraçados, a observação do professor, este continuou:
– Considerai agora o seguinte: a vida é o chocolate quente; o dinheiro e a posição social são as chávenas. Estas são apenas meios de conter e servir a vida. A chávena que cada um possui não define nem altera a qualidade da vossa vida. Por vezes, ao concentrarmo-nos apenas na chávena acabamos por nem apreciar o chocolate quente que Deus nos ofereceu. As pessoas mais felizes nem sempre têm o melhor de tudo, apenas sabem aproveitar ao máximo tudo o que têm. Vivei com simplicidade. Amai generosamente. Ajudai-vos uns aos outros com empenho. Falai com gentileza… … e apreciai o vosso chocolate quente.
in Revista Progredir, edição de Maio (Secção Fontes de Saber)
sábado, novembro 10, 2012
uma história de tanto amor
" Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios mais íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha.
Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cómica que a coisa toda tomava.
Clarice Lispector, in Contos de Clarice Lispector (Relógio d’ Água, 2006)
Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia: «Você não tem coisa nenhuma no fígado». Então, com a intimidade que tinha com essa tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia.
A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café – e vinha o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inertes à própria espécie. A menina morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar.Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cómica que a coisa toda tomava.
- Mas é o galo, que é nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! E é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!
Um dia a família resolveu levar a menina para passa o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia informou-lhe: - Nós comemos Petronilha.
A menina era criatura de grande capacidade para amar: uma galinha não corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe.
- Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma pena.
Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol, embrulhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles grandes fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estavam apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu que apressara a morte do ser querido.
Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina.
O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é sozinha no mundo.
Mas a menina não esquecera o que a sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o sangue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens. “
Ilustração de © Natalia Ivanova
quinta-feira, novembro 01, 2012
Anna
E um dia, em que o hospital estava praticamente deserto - entre o Natal e o Ano Novo, a semana mais sossegada do ano - vi uma jovem na cafetaria, a ler Baudelaire. É raríssimo ver-se alguém, nos Estados Unidos, a ler um poeta françês do século XIX, à hora do almoço. Sentei-me à mesa dela. Era russa, com a maçãs do rosto salientes, de grande olhos negros e uma expressão simultaneamente reservada e extremamente perspicaz.
Anna não me abandonou quando descobrimos que eu tinha uma doença que podia ser fatal. Julguei ter encontrado no seu rosto, tão calmo e belo, o amor materno absoluto e incondicional que nunca tinha conhecido. Ela tornou-se o rochedo sobre o qual construí a minha vida enquanto jovem adulto.
Quando estava sozinho e fechava os olhos, a sua imagem surgia diante de mim e eu sentia a sua presença. Parte dela entrou em mim e viveu no meu corpo.
Quando saí da minha primeira cirurgia, com a cabeça rapada e marcada com uma cicatriz em forma de L, perguntei-lhe timidamente se queria casar comigo. A sua resposta direta, sem hesitações e profundamente sentida, foi um dos momentos mais belos da minha vida.
Lembro-me da nossa lua-de-mel num barco de rio no estuário a Cape Fear. Eu não era grande navegador. Passámos boa parte desses poucos dias sem eletricidade, água e combustível. Porém, Anna era tão bem disposta e estávamos tão apaixonados, que cada um destes incómodos era uma oportunidade para partilhar e rir, cozinhar, fazer amor ou contemplar as estrelas quando encalhámos longe de tudo e ficámos à espera de auxílio que só chegaria no dia seguinte.
Depois disso toda a nossa vida em conjunto parecia inspirada por essa despreocupação. A lua-de-mel durou dois anos. Eu sentia-me invencível. Desde que estivéssemos juntos, podíamos enfrentar qualqer situação.
Pela primeira vez, tive a impressão de viver uma vida boa.
Então, Anna quis ter um filho. O nascimento do meu filho foi o segundo dia mais belo da minha vida.
Em cinco anos, não passámos um fim-de-semana sozinhos. Parte de mim admirava este amor materno. Porém, outra parte não conseguia tolerar a intensidade desta nova relação que estava a afastar-nos.
Em breve, não tardei a ficar tão só quanto estivera antes de a conhecer. Perdera toda a esperança de recuperar o nosso relacionamento de casal. De certo modo , a minha vida revertera para o padrão da infância: amor suficiente para sobreviver e obrigações que me esforçei por cumprir, para manter as aparências.
Foi precisamente no momento em que não conseguia continuar - apenas duas semanas depois de ter decidido sair de casa e acabar com um casamento que já não existia - que soube que o meu cancro voltara.
Anticancro - Um Novo Estilo de Vida, David Servan-Schreiber
emoções reprimidas
David Servan-Schreiber avec son père Jean-Jacques Servan-Schreiber et sa mère Sabine Becq de Fouquières.
Anticancro - um novo estilo de vida, David Servan-Schreiber
Sou o filho mais velho de um filho mais velho. Assim que nasci, fui retirado dos braços e do peito da minha mãe, pois eram considerados inadequados. Fui entregue ao berçário, a assistentes de enfermagem e ao leite em pó para bebés, um sistema considerado "mais moderno", mais apto a proteger a criança que iria assegurar a linhagem familiar. Chorei muito; calculo que à semelhança de todas as crianças, gostaria de estar nos braços da minha mãe, em vez de estar numa espécie de incubadora protegida por um vidro à prova de som.
A minha mãe tinha 22 anos quando me deu à luz. Apesar da sua inteligência e do seu caráter, era apenas uma criança comparada com o seu marido de 37 anos, diretor da revista noticiosa mais importante do país.
Pouco depois, a minha avó paterna decretou que a minha mãe não era suficientemente competente para cuidar do seu neto e fui entregue a uma ama interna.
A minha mãe sofreu muito com a separação. Lembra-se que os seus peitos vertiam leite durante a noite, quando era impedida de vir ter comigo.
Durante os anos que se seguiram nunca conseguimos sanar a nossa relação; houvera demasiado sofrimento e privações.
Não tardei a ter três irmãos e ela apegou-se a eles. Ao longo da minha vida sofri com a ausência da minha mãe. Ainda hoje, quando ouço alguém falar comn emoção de tudo o que a mãe representou para si, sei que não posso compreendê-lo completamente. O meu corpo mantém a recordação do doloroso vazio que senti na infância.
Cresci, consegui encontrar um equilíbrio emocional, em grande parte graças à ama que tomou conta de mim desde os meus três meses de idade. O seu amor, por vezes desajeitado (só tinha 18 anos) era constante, sincero e deu-me o oxigénio de que precisava no vazio emocional que me preenchia.
Porém, nunca esqueci que, para que lhe obedecesse, ela me recordava frequentemente que, se não me portasse bem, se iria embora. Essas ameaças deixavam-me num estado terrível de impotência e de desespero. Rapidamente aprendi a dar o que se esperava de mim e de um primogénito. Não tinha ataques de mau génio, não fazia birras, mas era disciplinado e preocupava-me com as aparências.
Acho que desempenhei bem o meu papel camuflando os meus sentimentos para manter o meu lugar.
Quando conheci Anna, 30 anos depois, nunca tinha conseguido confiar totalmente numa mulher.
Anticancro - um novo estilo de vida, David Servan-Schreiber
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