terça-feira, novembro 20, 2012

blue blue boat



CAIS

Para um nocturno mar partem navios,
Para um nocturno mar intenso e azul
Como um coração de medusa
Como um interior de anémona.
Naturalmente
Simplesmente
Sem destruição e sem poemas,
Para um nocturno mar roxo de peixes
Sem destruição e sem poemas
Assombrados por miríades de luzes
Para um nocturno mar vão os navios.
Vão
O seu rouco grito é de quem fica
No cais dividido e mutilado
E destruído entre poemas pasma.


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in MAR NOVO 

(Guimarães Editores, 1958) in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

segunda-feira, novembro 19, 2012

e tornou-a sua rainha

 "A História de Ester"
       (excerto)

Naquele tempo, o império persa estendia-se a perder de vista, desde a Índia até à Etiópia. Basta olhar para um mapa para perceber a vastidão que tinha.

Estava dividido em 127 províncias, com a capital na cidade de Susan, onde vivia o rei Assuero.

O povo judeu, levado em cativeiro de Jerusalém, habitava a Pérsia, e vivia aparentemente em paz, e cumpria as leis - embora sonhando sempre com o regresso à pátria.

E entre os judeus, havia um, de seu nome Mardoqueu, que vivia com Ester, sua sobrinha, órfã de pai e mãe, e que ele criara sempre como filha.

Quando se soube, por todo o reino, que Assuero procurava mulher, Mardoqueu disse a Ester que se envolvesse na sua mais bela túnica e se perfumasse de óleos de sândalo e jasmim, e se apresentasse no palácio do rei. Mas que não lhe dissesse a sua origem.

Quando Assuero olhou para Ester logo se apaixonou por ela, e ela já não voltou a sua casa. Deu-lhe o rei sete aias para a servirem em tudo, e destinou-lhe a mais bela parte do palácio.
Por lei, nenhuma pessoa – nem mesmo a rainha – podia apresentar-se diante do rei sem ser primeiro chamada por ele. E, quem desobedecesse a este princípio, corria risco de vida.

Mas Assuero chamou logo Ester, colocou-lhe a coroa na cabeça e tornou-a sua rainha...
Histórias da Bíblia, por Alice Vieira (Oficina do Livro, 2012),
Sinopse:
"Em Histórias da Bíblia Para Ler e Pensar", poderás conhecer histórias do Antigo Testamento que o tempo trouxe de longe e que Alice Vieira escolheu e... escreveu! Poderás ler "A história de Rute", "David e Golias", "Salomão, o Sábio", "A História de Ester", "Daniel na Cova dos Leões" e "Jonas e a Baleia". Diverte-te a descobrir a sabedoria que cada história tem para te dar!"
Hoje, 19 de Novembro, nas livrarias..............

segunda-feira, novembro 12, 2012

simplicidade


Um grupo de jovens licenciados, todos bem-sucedidos nas carreiras, decidiu fazer uma visita a um velho professor, agora reformado. Durante a visita, a conversa dos jovens alongou-se em lamentos sobre o imenso stress que tinha tomado conta das suas vidas e do seu trabalho. O professor não fez qualquer comentário sobre isso e perguntou se gostariam de tomar uma chávena de chocolate quente.

Todos se mostraram interessados e o professor dirigiu-se à cozinha, de onde regressou vários minutos depois com uma grande chaleira e uma grande quantidade de chávenas, todas diferentes – de fina porcelana e de rústico barro, de simples vidro e de cristal, umas com aspeto vulgar e outras caríssimas. Apenas disse aos jovens para se servirem à vontade. Quando já todos tinham uma chávena de chocolate quente na mão, disse-lhes:

– Reparem como todos procuraram escolher as chávenas mais bonitas e dispendiosas, deixando ficar as mais vulgares e baratas... Embora seja normal que cada um pretenda para si o melhor, é isso a origem dos vossos problemas e stress. A chávena por onde estais a beber não acrescenta nada à qualidade do chocolate quente. Na maioria dos casos é apenas uma chávena mais requintada e algumas nem deixam ver o que estais a beber. O que vós realmente queríeis era o chocolate quente, não a chávena; mas fostes conscientemente para as chávenas melhores...

Enquanto todos confirmavam, mais ou menos embaraçados, a observação do professor, este continuou:

– Considerai agora o seguinte: a vida é o chocolate quente; o dinheiro e a posição social são as chávenas. Estas são apenas meios de conter e servir a vida. A chávena que cada um possui não define nem altera a qualidade da vossa vida. Por vezes, ao concentrarmo-nos apenas na chávena acabamos por nem apreciar o chocolate quente que Deus nos ofereceu. As pessoas mais felizes nem sempre têm o melhor de tudo, apenas sabem aproveitar ao máximo tudo o que têm. Vivei com simplicidade. Amai generosamente. Ajudai-vos uns aos outros com empenho. Falai com gentileza… … e apreciai o vosso chocolate quente.

in Revista Progredir, edição de Maio (Secção Fontes de Saber)

sábado, novembro 10, 2012

uma história de tanto amor

" Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios mais íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha.


Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia: «Você não tem coisa nenhuma no fígado». Então, com a intimidade que tinha com essa tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia. 

A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café – e vinha o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inertes à própria espécie. A menina morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar.

Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cómica que a coisa toda tomava.


- Mas é o galo, que é nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! E é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!

Um dia a família resolveu levar a menina para passa o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia informou-lhe: - Nós comemos Petronilha.

A menina era criatura de grande capacidade para amar: uma galinha não corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe.
- Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma pena.

Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol, embrulhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles grandes fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estavam apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu que apressara a morte do ser querido.

Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina.

O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é sozinha no mundo.

Mas a menina não esquecera o que a sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o sangue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens. “

Clarice Lispector, in Contos de Clarice Lispector (Relógio d’ Água, 2006)

Ilustração de © Natalia Ivanova

quinta-feira, novembro 01, 2012

Anna

E um dia, em que o hospital estava praticamente deserto - entre o Natal e o Ano Novo, a semana mais sossegada do ano - vi uma jovem na cafetaria, a ler Baudelaire. É raríssimo ver-se alguém, nos Estados Unidos, a ler um poeta françês do século XIX, à hora do almoço. Sentei-me à mesa dela. Era russa, com a maçãs do rosto salientes, de grande olhos negros e uma expressão simultaneamente reservada e extremamente perspicaz.

Anna não me abandonou quando descobrimos que eu tinha uma doença que podia ser fatal. Julguei ter encontrado no seu rosto, tão calmo e belo, o amor materno absoluto e incondicional que nunca tinha conhecido. Ela tornou-se o rochedo sobre o qual construí a minha vida enquanto jovem adulto.

Quando estava sozinho e fechava os olhos, a sua imagem surgia diante de mim e eu sentia a sua presença. Parte dela entrou em mim e viveu no meu corpo.

Quando saí da minha primeira cirurgia, com a cabeça rapada e marcada com uma cicatriz em forma de L, perguntei-lhe timidamente se queria casar comigo. A sua resposta direta, sem hesitações e profundamente sentida, foi um dos momentos mais belos da minha vida.

Lembro-me da nossa lua-de-mel num barco de rio no estuário a Cape Fear. Eu não era grande navegador. Passámos boa parte desses poucos dias sem eletricidade, água e combustível. Porém, Anna era tão bem disposta e estávamos tão apaixonados, que cada um destes incómodos era uma oportunidade para partilhar e rir, cozinhar, fazer amor ou contemplar as estrelas quando encalhámos longe de tudo e ficámos à espera de auxílio que só chegaria no dia seguinte.

Depois disso toda a nossa vida em conjunto parecia inspirada por essa despreocupação. A lua-de-mel durou dois anos. Eu sentia-me invencível. Desde que estivéssemos juntos, podíamos enfrentar qualqer situação.

Pela primeira vez, tive a impressão de viver uma vida boa.

Então, Anna quis ter um filho.  O nascimento do meu filho foi o segundo dia mais belo da minha vida.
                                                  
Sasha dormia muito mal. De noite, levávamo-lo para a nossa cama e Anna não queria largá-lo. Durante o dia, só dormitava nos braços dela..

Em cinco anos, não passámos um fim-de-semana sozinhos. Parte de mim admirava este amor materno. Porém, outra parte não conseguia tolerar a intensidade desta nova relação que estava a afastar-nos.

Em breve, não tardei a ficar tão só quanto estivera antes de a conhecer. Perdera toda a esperança de recuperar o nosso relacionamento de casal. De certo modo , a minha vida revertera para o padrão da infância: amor suficiente para sobreviver e obrigações que me esforçei por cumprir, para manter as aparências.

Foi precisamente no momento em que não conseguia continuar - apenas duas semanas depois de ter decidido sair de casa e acabar com um casamento que já não existia - que soube que o meu cancro voltara.
Anticancro - Um Novo Estilo de Vida, David Servan-Schreiber

emoções reprimidas

David Servan-Schreiber avec son père Jean-Jacques Servan-Schreiber et sa mère Sabine  Becq de Fouquières.

Sou o filho mais velho de um filho mais velho. Assim que nasci, fui retirado dos braços e do peito da minha mãe, pois eram considerados inadequados. Fui entregue ao berçário, a assistentes de enfermagem e ao leite em pó para bebés, um sistema considerado "mais moderno", mais apto a proteger a criança que iria assegurar a linhagem familiar. Chorei muito; calculo que à semelhança de todas as crianças, gostaria de estar nos braços da minha mãe, em vez de estar numa espécie de incubadora protegida por um vidro à prova de som.
 
A minha mãe tinha 22 anos quando me deu à luz. Apesar da sua inteligência e do seu caráter, era apenas uma criança comparada com o seu marido de 37 anos, diretor da revista noticiosa mais importante do país.
 
Pouco depois, a minha avó paterna decretou que a minha mãe não era suficientemente competente para cuidar do seu neto e fui entregue a uma ama interna.
 
A minha mãe sofreu muito com a separação. Lembra-se que os seus peitos vertiam leite durante a noite, quando era impedida de vir ter comigo.
 
Durante os anos que se seguiram nunca conseguimos sanar a nossa relação; houvera demasiado sofrimento e privações.
 
Não tardei a ter três irmãos e ela apegou-se a eles. Ao longo da minha vida sofri com a ausência da minha mãe. Ainda hoje, quando ouço alguém falar comn emoção de tudo o que a mãe representou para si, sei que não posso compreendê-lo completamente. O meu corpo mantém a recordação do doloroso vazio que senti na infância.
 
Cresci, consegui encontrar um equilíbrio emocional, em grande parte graças à ama que tomou conta de mim desde os meus três meses de idade. O seu amor, por vezes desajeitado (só tinha 18 anos) era constante, sincero e deu-me o oxigénio de que precisava no vazio emocional que me preenchia.
 
Porém, nunca esqueci que, para que lhe obedecesse, ela me recordava frequentemente que, se não me portasse bem, se iria embora. Essas ameaças deixavam-me num estado terrível de impotência e de desespero. Rapidamente aprendi a dar o que se esperava de mim e de um primogénito. Não tinha ataques de mau génio, não fazia birras, mas era disciplinado e preocupava-me com as aparências.
 
Acho que desempenhei bem o meu papel camuflando os meus sentimentos para manter o meu lugar.
 
Quando conheci Anna, 30 anos depois, nunca tinha conseguido confiar totalmente numa mulher.

Anticancro - um novo estilo de vida, David Servan-Schreiber

terça-feira, outubro 23, 2012

A minha Religião é o Novo.


A minha Religião é o Novo.
Este dia, por exemplo; o pôr do Sol,
estas invenções habituais: o Mar.
Ainda:
os cisnes a Ralhar com a água. A Rapariga mais bonita que
ontem.
Deus como habitante único.
Todos somos estrangeiros a esta Região, cujo único habitante
verdadeiro é Deus (este bem podia ser o Rótulo do nosso
Frasco).
Dele também se podia dizer, como homenagem:
Hóspede discreto.
Ou mais pomposamente:
O Enorme Hóspede discreto.
Ou dizer ainda, para demorar Deus mais tempo nos lábios ou
neste caso no papel, na escrita, dizer ainda, no seu epitáfio que
nunca chega, que nunca será útil, dizer dele:
em todo o lado é hóspede,
e em todo o lado é Discreto. 

Gonçalo M. Tavares, in "Investigações. Novalis"

segunda-feira, outubro 08, 2012

Mas por onde eu caminhe levarei o teu olhar

 
Já não se encantarão meus olhos em teus olhos,
já não se achará doce minha dor a teu lado.

Mas por onde eu caminhe levarei o teu olhar
e para onde tu fores levarás minha dor.

Fui teu, foste minha. Que mais? Juntos fizemos

um desvio na rota por onde o amor passou.

Fui teu, foste minha. Tu serás de quem te ame,

Do que corte em teu horto aquilo que eu plantei.

Eu me vou. Estou triste: mas eu sempre estou triste.

Eu venho dos teus braços. Não sei para onde vou.

…Desde teu coração diz adeus um menino.

 
E eu lhe digo adeus.
Pablo Neruda,
in Presentes de um Poeta (Arteplural ed.)

http://quantasaude.blogspot.com/view/snapshot  

sábado, outubro 06, 2012

a flor


No quinto dia, ainda por causa da ovelha, foi-me revelado o seguinte segredo da vida do principezinho. Fez-me uma pergunta súbita, sem preâmbulos, como se fosse fruto de um problema meditado em silêncio durante longos dias:
- Se uma ovelha come arbustos, também pode comer flores?
- Uma ovelha come tudo o que encontra.
- Mesmo as flores que têm espinhos?
- Sim. Mesmo as flores que têm espinhos.
- Os espinhos não servem para nada, é pura maldade da parte das flores!
- Oh!
O principezinho ficou calado por um momento, depois atirou-me com uma pontinha de rancor:
- Não acredito. As flores são fracas. São ingénuas. Tranquilizam-se como podem. Julgam-se terríveis com os seus espinhos ...
- Conheço um planeta onde existe um senhor de tez escarlate. Nunca aspirou o perfume de uma flor. Nunca contemplou uma estrela. nunca amou ninguém.
- Se alguém gostar de uma flor da qual apenas existe um único exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso bastará para que se sinta feliz quando as contempla. Diz para consigo:
"A minha flor está lá, em qualquer parte ..."


Não pôde dizer mais nada. Desatou subitamente a soluçar. Anoitecera. Larguei as ferramentas. Queria lá saber do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Havia uma estrela, num planeta, o meu, a Terra, um principezinho a consolar. Tomei-o nos braços. Embalei-o. Dizia-lhe: "A flor que tu amas não corre perigo ... Vou desenhar um açaimo para a tua ovelha. Vou desenhar uma armadura para a tua flor ... 

O Principezinho, Antoine de Saint-Exupéry


sábado, agosto 25, 2012

"Atlas Shrugged"

Atlas Shrugged, Ayn Rand's epochal novel, first published in 1957, has been a bestseller for more than three decades as well as an intellectual landmark. It is the story of a man who said that he would stop the motor of the world - and did.
Was he  a destroyer or the greatest of the liberators? Why did he have to fight his battle, not against his enemies but against those who needed him most, and his hardest battle against the woman he loved?
.

What is the world's motor - and the motive power of every man? These are questions behind the baffling events that play havoc with the lives of the characters in this story.
Tremendous in its scope, this novel presents an astounding panorama of human life - from the productive genius who becomes a worthless playboy ... to the great steel industrialist who does not know that he is working for his own destruction ... to the philosopher who becomes a pirate ... to the composer who gives up his career on the night of his triumph ... to the woman who runs a transcontinental railroad ...to the lowest track worker in her Terminal tunnels.
This is a riveting mystery, not about a murder of a man's body, but about a murder - and rebirth - of man's spirit...

segunda-feira, agosto 13, 2012

e por vezes as noites duram meses

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes, por vezes, ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira

terça-feira, julho 31, 2012

amor em visita

...
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
...
Herberto Helder (Lisboa, 1958)
O Amor em Visita (excerto 2)

sábado, julho 14, 2012

I’ll carry you out every morning until death do us apart

Mäda Primavesi
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/klimt/

“When I got home that night as my wife served dinner, I held her hand and said, I’ve got something to tell you. She sat down and ate quietly. Again I observed the hurt in her eyes.

Suddenly I didn’t know how to open my mouth. But I had to let her know what I was thinking. I want a divorce. I raised the topic calmly. She didn’t seem to be annoyed by my words, instead she asked me softly, why?

I avoided her question. This made her angry. She threw away the chopsticks and shouted at me, you are not a man! That night, we didn’t talk to each other. She was weeping. I knew she wanted to find out what had happened to our marriage. But I could hardly give her a satisfactory answer; she had lost my heart to Jane. I didn’t love her anymore. I just pitied her!

With a deep sense of guilt, I drafted a divorce agreement which stated that she could own our house, our car, and 30% stake of my company. She glanced at it and then tore it into pieces. The woman who had spent ten years of her life with me had become a stranger. I felt sorry for her wasted time, resources and energy but I could not take back what I had said for I loved Jane so dearly. Finally she cried loudly in front of me, which was what I had expected to see. To me her cry was actually a kind of release. The idea of divorce which had obsessed me for several weeks seemed to be firmer and clearer now.

The next day, I came back home very late and found her writing something at the table. I didn’t have supper but went straight to sleep and fell asleep very fast because I was tired after an eventful day with Jane. When I woke up, she was still there at the table writing. I just did not care so I turned over and was asleep again.

In the morning she presented her divorce conditions: she didn’t want anything from me, but needed a month’s notice before the divorce. She requested that in that one month we both struggle to live as normal a life as possible. Her reasons were simple: our son had his exams in a month’s time and she didn’t want to disrupt him with our broken marriage.

This was agreeable to me. But she had something more, she asked me to recall how I had carried her into out bridal room on our wedding day. She requested that every day for the month’s duration I carry her out of our bedroom to the front door ever morning. I thought she was going crazy. Just to make our last days together bearable I accepted her odd request.

I told Jane about my wife’s divorce conditions. . She laughed loudly and thought it was absurd. No matter what tricks she applies, she has to face the divorce, she said scornfully.

My wife and I hadn’t had any body contact since my divorce intention was explicitly expressed. So when I carried her out on the first day, we both appeared clumsy. Our son clapped behind us, daddy is holding mommy in his arms. His words brought me a sense of pain. From the bedroom to the sitting room, then to the door, I walked over ten meters with her in my arms. She closed her eyes and said softly; don’t tell our son about the divorce. I nodded, feeling somewhat upset. I put her down outside the door. She went to wait for the bus to work. I drove alone to the office.

On the second day, both of us acted much more easily. She leaned on my chest. I could smell the fragrance of her blouse. I realized that I hadn’t looked at this woman carefully for a long time. I realized she was not young any more. There were fine wrinkles on her face, her hair was graying! Our marriage had taken its toll on her. For a minute I wondered what I had done to her.

On the fourth day, when I lifted her up, I felt a sense of intimacy returning. This was the woman who had given ten years of her life to me. On the fifth and sixth day, I realized that our sense of intimacy was growing again. I didn’t tell Jane about this. It became easier to carry her as the month slipped by. Perhaps the everyday workout made me stronger.

She was choosing what to wear one morning. She tried on quite a few dresses but could not find a suitable one. Then she sighed, all my dresses have grown bigger. I suddenly realized that she had grown so thin, that was the reason why I could carry her more easily.

Suddenly it hit me… she had buried so much pain and bitterness in her heart. Subconsciously I reached out and touched her head.

Our son came in at the moment and said, Dad, it’s time to carry mom out. To him, seeing his father carrying his mother out had become an essential part of his life. My wife gestured to our son to come closer and hugged him tightly. I turned my face away because I was afraid I might change my mind at this last minute. I then held her in my arms, walking from the bedroom, through the sitting room, to the hallway. Her hand surrounded my neck softly and naturally. I held her body tightly; it was just like our wedding day.

But her much lighter weight made me sad. On the last day, when I held her in my arms I could hardly move a step. Our son had gone to school. I held her tightly and said, I hadn’t noticed that our life lacked intimacy. I drove to office…. jumped out of the car swiftly without locking the door. I was afraid any delay would make me change my mind…I walked upstairs. Jane opened the door and I said to her, Sorry, Jane, I do not want the divorce anymore.

She looked at me, astonished, and then touched my forehead. Do you have a fever? She said. I moved her hand off my head. Sorry, Jane, I said, I won’t divorce. My marriage life was boring probably because she and I didn’t value the details of our lives, not because we didn’t love each other anymore. Now I realize that since I carried her into my home on our wedding day I am supposed to hold her until death do us apart. Jane seemed to suddenly wake up. She gave me a loud slap and then slammed the door and burst into tears. I walked downstairs and drove away. At the floral shop on the way, I ordered a bouquet of flowers for my wife. The salesgirl asked me what to write on the card. I smiled and wrote, I’ll carry you out every morning until death do us apart.

That evening I arrived home, flowers in my hands, a smile on my face, I run up stairs, only to find my wife in the bed -dead. My wife had been fighting cancer for months and I was so busy with Jane to even notice. She knew that she would die soon and she wanted to save me from the whatever negative reaction from our son, in case we push through with the divorce.— At least, in the eyes of our son—- I’m a loving husband….

The small details of your lives are what really matter in a relationship. It is not the mansion, the car, property, the money in the bank. These create an environment conducive for happiness but cannot give happiness in themselves.

So find time to be your spouse’s friend and do those little things for each other that build intimacy. Do have a real happy marriage!

Many of life’s failures are people who did not realize how close they were to success when they gave up.....
 
The kiss II "Our Place in the Sun"


http://www.gustavklimtcollection.com/pages/kiss_II.html


I did not write this, but I think it is beautiful!

sexta-feira, junho 01, 2012

letters of note

In June of 1971, just days before his 26-year-old son, Michael, got married, future-U.S. President Ronald Reagan sent him the following letter of advice. It really is quite stunning.
          Dear Mike:
Enclosed is the item I mentioned (with which goes a torn up IOU). I could stop here but I won't.

You've heard all the jokes that have been rousted around by all the "unhappy marrieds" and cynics. Now, in case no one has suggested it, there is another viewpoint. You have entered into the most meaningful relationship there is in all human life. It can be whatever you decide to make it.

Some men feel their masculinity can only be proven if they play out in their own life all the locker-room stories, smugly confident that what a wife doesn't know won't hurt her. The truth is, somehow, way down inside, without her ever finding lipstick on the collar or catching a man in the flimsy excuse of where he was till three A.M., a wife does know, and with that knowing, some of the magic of this relationship disappears. There are more men griping about marriage who kicked the whole thing away themselves than there can ever be wives deserving of blame. There is an old law of physics that you can only get out of a thing as much as you put in it. The man who puts into the marriage only half of what he owns will get that out. Sure, there will be moments when you will see someone or think back to an earlier time and you will be challenged to see if you can still make the grade, but let me tell you how really great is the challenge of proving your masculinity and charm with one woman for the rest of your life. Any man can find a twerp here and there who will go along with cheating, and it doesn't take all that much manhood. It does take quite a man to remain attractive and to be loved by a woman who has heard him snore, seen him unshaven, tended him while he was sick and washed his dirty underwear. Do that and keep her still feeling a warm glow and you will know some very beautiful music. If you truly love a girl, you shouldn't ever want her to feel, when she sees you greet a secretary or a girl you both know, that humiliation of wondering if she was someone who caused you to be late coming home, nor should you want any other woman to be able to meet your wife and know she was smiling behind her eyes as she looked at her, the woman you love, remembering this was the woman you rejected even momentarily for her favors.

Mike, you know better than many what an unhappy home is and what it can do to others. Now you have a chance to make it come out the way it should. There is no greater happiness for a man than approaching a door at the end of a day knowing someone on the other side of that door is waiting for the sound of his footsteps.

Love,
Dad
P.S. You'll never get in trouble if you say "I love you" at least once a day.

Feliz como uma Criança

Feliz como uma Criança Oh! A idade venturosa da infância! Onde há outra mais feliz e mais tranquila, mais sorridente - isto é, mais egoísta?... Em volta de nós podem suceder as piores catástrofes. Se elas nos não arrancam nem os brinquedos nem os bolos, não nos atingem de forma alguma... não as compreendemos sequer...
Quando muito, correm-nos lágrimas vendo chorar as nossas mães. No entanto, é só ainda vagamente que percebemos a dor humana. Por isso as nossas lágrimas secam depressa diante dos brinquedos. E se o quadro em que nos agitamos é risonho, a infância transforma-se-nos então num jardim maravilhoso. Para as crianças felizes, só para elas, existe realmente um céu - o céu dos seus primeiros anos.
Mário de Sá-Carneiro, in 'O Incesto'

sexta-feira, abril 13, 2012

ternura

E eu hoje chamo a palavra TERNURA à sua responsabilidade... Dou folga a todas as outras para que esta deliciosa palavra possa ocupar o território da mente de quem lhe der o privilégio de lhe abrir a transparência do seu mundo interior...
Todas as palavras cabem dentro de nós e, não ocupando espaço nos nossos pensamentos, também não se tocam, acariciam ou agridem na sua luta por prevalecer... não se atropelam porque mesmo baralhadas são ordeiras nas frases invisíveis das suas intenções...
Pensando bem, existe em cada ser humano um alfabeto do pensamento que nem precisa de dicionário interior... pois as palavras pensadas não vivem em função de uma ordem pré-estabelecida, apenas se posicionam automaticamente ao alcance de um simples desejo ou sentimento...
O pensamento é a manifestação pura da liberdade única que o ser humano pode alguma vez experimentar... Então eu sugiro que na sua lista de prioridades chame para si a palavra que hoje escolhi...
TERNURA!!! Ela pode possuir sem ocupar, de uma forma sublime todo o seu mundo interior e porque tem uma alma tão grande, simultaneamente não caber dentro de si...!!!
Grácia Nunes
Colaboradora do Instituto da Inteligência
http://quantasaude.blogspot.com/view/snapshot 

sábado, março 31, 2012

A Mulher

A Mulher
Ó Mulher! Como és fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!
Quantas morrem saudosa duma imagem.
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca rir alegremente!
Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doce alma de dor e sofrimento!
Paixão que faria a felicidade.
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!
Florbela Espanca 
www.quantasaude.blogspot.com

sexta-feira, março 30, 2012

guardar silencio y hablar

 
Nosotros los indios sabemos del silencio. No le tenemos miedo. De hecho, para nosotros es más poderoso que las palabras.
Nuestros ancianos fueron educados en las maneras del silencio, y ellos nos transmitieron ese conocimiento a nosotros. Observa, escucha, y luego actúa, nos decían. Ésa es la manera de vivir.
Observa a los animales para ver cómo cuidan a sus crías. Observa a los ancianos para ver cómo se comportan. Observa al hombre blanco para ver qué quiere. Siempre observa primero, con corazón y mente quietos, y entonces aprenderás. Cuando hayas observado lo suficiente, entonces podrás actuar.
Con ustedes es lo contrario. Ustedes aprenden hablando. Premian a los niños que hablan más en la escuela. En sus fiestas todos tratan de hablar. En el trabajo siempre están teniendo reuniones en las que todos interrumpen a todos, y todos hablan cinco, diez o cien veces. Y le llaman “resolver un problema”. Cuando están en una habitación y hay silencio, se ponen nerviosos. Tienen que llenar el espacio con sonidos. Así que hablan impulsivamente, incluso antes de saber lo que van a decir.
A la gente blanca le gusta discutir. Ni siquiera permiten que el otro termine una frase. Siempre interrumpen
Para los indios esto es muy irrespetuoso e incluso muy estúpido. Si tú comienzas a hablar, yo no voy a interrumpirte. Te escucharé. Quizás deje de escucharte si no me gusta lo que estás diciendo. Pero no voy a interrumpirte. Cuando termines, tomaré mi decisión sobre lo que dijiste, pero no te diré si no estoy de acuerdo, a menos que sea importante. De lo contrario, simplemente me quedaré callado y me alejaré. Me has dicho lo que necesito saber. No hay nada más que decir. Pero eso no es suficiente para la mayoría de la gente blanca.
La gente debería pensar en sus palabras como si fuesen semillas. Deberían plantarlas, y luego permitirles crecer en silencio. Nuestros ancianos nos enseñaron que la tierra siempre nos está hablando, pero que debemos guardar silencio para escucharla.
Existen muchas voces además de las nuestras. Muchas voces.
Extractos del libro “Ni lobo ni perro. Por senderos olvidados con un anciano indio” de KENT NERBURN

segunda-feira, março 26, 2012

pureza



«Tenho saudades da carícia dos teus braços, dos teus braços fortes, dos teus braços carinhosos que me apertam e que me embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos, dos nossos grandes beijos que me entontecem e me dão vontade de chorar. Tenho saudades das tuas mãos (...)  Tu tens-me feito feliz, como eu nunca tivera esperanças de o ser. Se um dia alguém se julgar com direitos a perguntar-te o que fizeste de mim e da minha vida, tu dize-lhe, meu amor, que fizeste de mim uma mulher e da minha vida um sonho bom; podes dizer seja a quem for, a meu pai como a meu irmão, que eu nunca tive ninguém que olhasse para mim como tu olhas, que desde criança me abandonaram moralmente que fui sempre a isolada que no meio de toda a gente é mais isolada ainda. Podes dizer-lhe que eu tenho o direito de fazer da minha vida o que eu quiser, que até poderia fazer dela o farrapo com que se varrem as ruas, mas que tu fizeste dela alguma coisa de bom, de nobre e de útil, como nunca ninguém tinha pensado fazer. Sinto-me nos teus braços defendida contra toda a gente e já não tenho medo que toda a lama deste mundo me toque sequer.»
 «Citações e Pensamentos de Florbela Espanca»

http://www.citador.pt/index.php?op=21
http://www.youtube.com/watch?v=8wm0BjEXN1U 

quinta-feira, março 22, 2012

you can't lose

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda a parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando'